Mas sabe-se que tanto Vladimir Putin como Donald Trump já decidiram que Zelensky não vai ter lugar à mesa, pelo menos antes de haver uma decisão tomada, que o ainda Presidente ucraniano terá de se sujeitar a eleições para poder ser levado a sério e que os aliados europeus de Kiev não serão tidos nem achados até que chegue o momento de pagar a factura da reconstrução da Ucrânia.

Isto, se Putin e Trump chegarem mesmo a um acordo no encontro que ambos admitiram já que terá lugar "muito em breve" e que a generalidade dos analistas aponta como provável na Turquia, ou na Arábia Saudita ou ainda nos Emirados Árabes Unidos, mas que os mesmos analistas consideram ser muito fora das normas que, normalmente, regem as relações internacionais.

Um desses analistas é Tiago André Lopes, Professor de Relações Internacionais na Universidade Lusíada, Portugal, e um dos mais respeitados analistas portugueses sobre temas de geopolítica, que, na CNN Portugal, tem defendido que é muito incomum que dois dos maiores líderes mundiais se proponham resolver um conflito com quase quatro anos sem que se conheçam reuniões técnicas prévias com essa incumbência específica.

Também John Mearsheimer, especialista norte-americano em geopolítica, da Universidade de Chicago, que tem defendido que a decisão de manter estas negociações a dois é resultado de uma evidência: Trump tem o trunfo na mão que lhe permite obrigar Zelensky a aceitar as suas condições.

Trunfo esse que é o facto de Trump saber que sem o fluxo de apoio, militar, incluindo intelligentsia, e financeiro, além de diplomático dos Estados Unidos, a Ucrânia está condenada (ver links em baixo) a uma derrota militar sem condições e num curto espaço de tempo, porque os aliados incondicionais de Kiev na Europa ocidental nem possuem os meios nem a coesão que permita criar uma plataforma de suporte que possa minimamente substituir os EUA.

Os analistas menos comprometidos com a narrativa ocidental notam ainda que este passo, que, ao que tudo indica, surgiu de um pedido de reunião com Putin pelo enviado especial de Trump a Moscovo, Steve Witkoff, embora o norte-americano tenha já dito que foi Putin que disse que queria falar com ele, sem que se perceba muito bem qual a relevância desse fio dos acontecimentos, pode ser uma fuga para a frente do norte-americano.

Isto, porque se o encontro com Putin resultar num acordo que depois possa ser imposto aos ucranianos e aos europeus por Washington, o que terá de, obrigatoriamente, passar por algumas cedências do Kremlin, para permitir a Zelensky uma saída airosa, Donald Trump tem, finalmente, o domínio das prioridades mediáticas que lhe permitirão sair do buraco incómodo do escândalo da "lista Epstein".

Recorde-se que Jeffrey Epestein, um amigo de longa data de Trump, que apareceu morto na cadeia em 2019, onde estava acusado de pedofilia, abuso de menores e cabecilha de uma rede que fornecia jovens para figuras conhecidas do mundo da política norte-americana e global, terá deixado um ficheiro com centenas de nomes sonantes envolvidos no seu esquema e que, agora, começam a surgir indícios de que o Presidente norte-americano estará nele citado.

Além do escândalo Epstein, Trump tem em mãos uma monstruosa crise económica, com a inflação a disparar, o desemprego a crescer em valores recorde, e com sinais cada vez mais nítidos que a sua guerra de tarifas e a guerra na Ucrânia, que levou às sanções históricas à Rússia, não estão a ajudar a economia norte-americana.

A urgência de encontrar linhas escapatórias para este sufoco na Casa Branca, levou Trump a fazer já algumas cedências extraordinárias aos russos, desde logo prometer - só assim se explica um encontro com Putin sem intenso trabalho técnico preparatório -, a exclusão de Zelensky e dos europeus destas negociações.

Mas mais relevante que tudo o resto, é Donald Trump ter deixado perceber que a resolução deste problema saíra de um plano que passa por Moscovo ceder o mínimo, Kiev ceder o necessário para satisfazer o Kremlin e que Zelensky tem os dias contados à frente do regime ucraniano, porque uma das condições exigidas pelos russos é que o Presidente ucraniano seja legitimado em eleições, que já deveriam ter ocorrido em Maio de 2024 e foram proteladas no contexto da Lei Marcial em vigor deste a invasão russa em Fevereiro de 2022.

Face a este cenário agreste, o Presidente da Ucrânia tem insistido nas redes sociais e nos vídeos diários que não vai deixar de defender os interesses nacionais ucranianos e a independência do país, vai insistir que Kiev e os aliados europeus têm de fazer parte das negociações e que é a Rússia que deve dar os passos necessários para acabar com a guerra.

Ora, com esta afirmação, porque sabe que a cedência da soberania nos territórios anexados por Moscovo em 2014 (Crimeia) e em 2022 (Kherson, Zaporizhia, Lugansk e Donetsk) é a questão mais importante para o Kremlin, a par do fecho definitivo das portas da NATO a Kiev, Zelensky está a tentar fazer descarrilar as negociações entre Putin e Trump.

E a razão é simples: na primeira oportunidade para realizar eleições sem combates a decorrerem, Volodymyr Zelensky está obrigado a fazê-lo sob risco de perder a legitimidade democrática, visto que já deveria ter tentado renovar o seu mandato em Maio do ano passado.

E isso num momento em que, além de indícios sólidos de um iminente colapso das posições militares ucranianas na frente, o que pode ser outra forma de pressão para acabar com o conflito, se multiplicam as sondagens feitas por organismos internacionais, como a Gallup, britânica, ou pelo Instituto Internacional de Kiev, não apenas cresce de forma acelerada a maioria que quer negociações imediatas para acabar com a guerra, como diminui de forma pesada a percentagem de ucranianos que apoiam Zelensky para um novo mandato, sendo já uma minoria clara que ainda o vê como o líder que o país precisa.

Mas há uma possibilidade que não retira o chão todo ao Presidente ucraniano, que é a forma errática com que Donald Trump toma decisões e a possibilidade de o encontro com Vladimir Putin falhar com estrondo nos propósitos anunciados é grande, podendo mesmo ser uma "armadilha", como, por exemplo, se viu no caso do ataque ao Irão, que ocorreu quando Washington e Teerão estavam de agenda cheia de reuniões já marcadas para negociar uma saída pacífica para a crise em torno do programa nuclear de Teerão.