Entretanto, antes de entrarmos nos detalhes da discussão do impacto que o agente económico famílias tem na variação do PIB, parece-me avisado fazer algumas considerações sobre o seu cálculo. Existem três formas de calcular a riqueza de um dado país, ou seja, da variação do PIB, sendo que o resultado deve ser sempre o mesmo: O PIB calcula-se na base da despesa, na base do rendimento e na base da produção. Na base da despesa faz-se o somatório de todas as despesas que as famílias e as empresas incorrem no desenvolvimento da sua actividade (C), seja o consumo que as famílias fazem na aquisição da alimentação, os serviços que requerem (comunicações, electricidade, água, educação, saúde, etc.), o consumo das empresas privadas com a compra das matérias-primas e pagamento de salários.
As despesas associadas com a realização de investimentos (I), quer por parte das famílias, empresas e Governo, por exemplo, a compra de uma nova casa (porquanto a compra de uma casa antiga é consumo e não investimento), a construção de uma ponte por parte do Governo, etc., somado, depois com o saldo das compras feitas do estrangeiro (X-M), temos assim, o PIB na óptica da despesa. Sob a óptica do rendimento é igualmente o somatório dos rendimentos das famílias, ou seja, o somatório do rendimento dos agentes económicos, nomeadamente as famílias, as empresas e o agente económico Governo, a que adicionamos o rendimento da actividade com o exterior. Na óptica da produção é a mesma coisa: o somatório das produções das famílias, das empresas e do Governo e do saldo das produções feitas no interior do País por não residentes e as produções dos nacionais no exterior, resultando no PIB.
Vale ressaltar a grande fragilidade do cálculo da riqueza criada em determinado período numa dada jurisdição, particularmente no que diz respeito às famílias, que deixa de fora a actividade que as famílias realizam para o seu auto-sustento, ou o auto-consumo, e não é tido em conta na computação da riqueza formal de uma dada jurisdição. Por exemplo, se o pneu da minha viatura furar e eu remendar, essa actividade não é incluída no cálculo da riqueza, mas se observarmos houve tempo consumido e materiais consumidos. Igualmente, aqui podemos então imaginar o que fica de fora numa economia em que a actividade informal, o que a literatura económica chama de economia subterrânea, é elevada. Na realidade angolana, segundo dados do Instituto Nacional de Estatística, mais de 60% das pessoas em idade activa estão empregadas no sector informal, pressupondo que a actividade dessa grande porção da população angolana não é incluída no cálculo do PIB.
Vale agora então saber, para a realidade angolana, o peso de cada uma das parcelas da nossa fórmula. Na base de dados do Banco Nacional de Angola (BNA), no ano transacto (2022), o PIB de Angola rondava os USD: 121,60 mil milhões, convertidos em Kwanzas, pela taxa de câmbio a 31 de Dezembro, este valor correspondia em AOA 61 248,83 mil milhões. As famílias e as empresas representaram (consumo privado) 49,94%, a actividade de investimento representou 17,71% e o peso da actividade governamental correspondeu 8,60%, enquanto as exportações representaram 40,79%% e as importações 17,04% do PIB.
A partir destes números podemos ver que as famílias angolanas são na realidade agentes económicos, são parte activa na criação da riqueza, por outras palavras, são um factor importante na variação do PIB, quer pelo consumo, quer pelo investimento. Mas, também, é evidente que no caso angolano, formalmente, o contributo das famílias e das empresas não é negligenciável, se comparado ao de outros países, até mesmo da região Austral.
Por exemplo, o contributo das famílias e empresas no PIB da África do Sul é de 65,23%, da Namíbia 73,16%, do Botswana 58,8%, das Maurícias 73,39% , da Zâmbia 48,5%, do Zimbabwe 79,36%. O consumo das famílias e empresas na economia angolana está abaixo da maioria dos seus pares da região, e pode ser justificado pelo número de pessoas empregadas no sector informal da economia, cuja actividade não é incluída na computação do PIB, e o peso da agricultura no PIB, indicando a fragilidade na sua instrução. Por conseguinte, a sua inaptidão na participação activa no sector formal da economia, se não mesmo, engrossando o exército dos excluídos na economia.
Temos, hoje pelo mundo, exemplos notáveis de países que conseguiram reverter o quadro de fraca capacidade de criação de riqueza, ou seja, dos drivers do crescimento económico, através da inclusão dos seus cidadãos na economia, que são passíveis de replicação no contexto, muito similar com o angolano. A atitude perante o trabalho e a predisposição para a aprendizagem ensinam-se. A preferência é que parta do berço, mas também pode ser por contágio, através de instituições afins, como as igrejas, escolas e outras entidades vocacionadas a ajudar as comunidades. O mesmo é dizer que as famílias podem dar um contributo preponderante na criação da riqueza, desde que lhes sejam criadas as condições necessárias para que possam fazer essa contribuição. Por outras palavras, ensinar as famílias a pescar, em vez de lhes dar o peixe.
Voltando à interpelação que me foi feita, reafirmo que as famílias são agentes económicos de relevo na criação de riqueza de qualquer país. São as famílias que são proprietários das empresas, de onde provêm os rendimentos com que sustentam as suas vidas. As famílias são os trabalhadores por conta de outrem, seja para empresas privadas, seja para o Governo. Quanto maior for a sua capacidade de consumo, maior será o seu contributo à economia. Uma sociedade com um número elevado de cidadãos da classe média, tem um consumo de produtos de elevada integração tecnológica (viaturas, computadores, televisores plasmas, etc.), são muito mais exigentes no que respeita aos serviços e produtos que consomem, para além de que, a porção da sua prestação no imposto de rendimento (IRT) e mesmo no imposto de valor acrescentado (IVA) que resulta do seu consumo, é elevado. Contrariamente, se a maioria da população sobreviver na base de rendimento de subsistência, ou de ajudas, como o que acontece em Angola, e na grande maioria dos países africanos, a sua contribuição na criação da riqueza é desprezível, sendo até, factor inibidor para o surgimento de investimentos que proporcionem oportunidades de negócio, concomitantemente, de emprego.
Quando referi numas das reflexões anteriores que a economia é acerca de equilíbrios, pois este permite que a economia se reproduza. Se a economia estiver em equilíbrio, em que o volume da massa monetária (D) em circulação e o volume da mercadoria (M) à disposição dos consumidores forem equilibradas, teremos em consequência uma taxa de inflação baixa, permitindo que as taxas de juros sejam comportáveis. Se o custo de dinheiro (juros) for baixo, as oportunidades de investimento para intensificar a criação da riqueza aumentam e, consequentemente, criam-se oportunidades de emprego para as famílias, quer estejam do lado de empreendedores, quer estejam do lado de trabalhadores por conta de outrem, cuja consequência imediata é o aumento da variação do PIB.
As políticas públicas têm de ser direccionadas a proporcionarem oportunidades de inclusão na economia do agente económico "famílias", para que sejam partícipes activos no processo da sua reprodução. O meu interpelador, certamente, está a perguntar, como fazer com que todas as pessoas sejam partícipes, ou seja, incluir todos na economia, cada um à sua medida e maneira? A inclusão das famílias na economia é possível, se as políticas públicas forem concebidas à medida de cada realidade. Uma única formula não resolve os problemas do universo. Esse tem sido, em meu entender, a razão do fracasso das receitas do Fundo Monetário Internacional (IMF) e do Banco Mundial (BM), que perseguem o equilíbrio económico, sacrificando o equilíbrio social.
As famílias, as empresas e o Governo, são os agentes económicos que encarnam a fórmula macroeconómica fundamental. Espero não ter complicado ainda mais a mente do meu interpelador.
*Economista e professor universitário