O objectivo de reduzir em 50 por cento o número de mortes e sequelas graves das mordeduras de cobras venenosas na próxima década, até 2030, compreende a definição de uma estratégia que passa por financiar os países mais expostos a esta grave crise de saúde pública que assume enormes proporções em algumas regiões do mundo.

Países esse que ficam, enquanto condição para o financiamento, responsáveis por financiar as respostas locais, como a disponibilidade de antídotos eficazes localizados estrategicamente de forma a responderem à urgência da resposta, normalmente escassas horas após o indivíduo ser mordido por uma espécie venenosa.

Numa reacção a esta iniciativa da OMS, a organização Médicos Sem Fronteiras (MSF) já veio lembrar que o número de mortes anuais por mordedura de cobra fazem com que este seja um "problema muito grave, mesmo uma crise de saúde pública" que é usualmente negligenciado, quer por governos, quer por organismos internacionais.

Em Angola, por exemplo, os escassos dados oficiais, que ficam sempre aquém da realidade por falta de informação sobre as áreas remotas, precisamente aquelas mais afectadas, indicam que foram registadas, só em 2016, quase 4 mil casos de mordeduras.

A espécie mais perigosa em Angola, devido à sua abundância e larga dispersão geográfica, cujos habitat são as zonas abertas, planícies, savanas, exceptuando-se apenas as florestas tropicais mais densas e os desertos, é a víbora de ariete - bitis rietans (na foto), uma cobra corpulenta e com uma predisposição natural muito agressiva, mesmo não sendo das com venenos mais tóxicos no reino destes repteis.

A mordedura da víbora de ariete é fatal em cerca de 10 por cento dos casos, quase sempre porque o animal não injecta todo o veneno potencial através do seus dentes de 2,5 cm, mas a escassa resposta com antídotos leva a que seja uma das cobras que mais mata em África, precisamente porque é a que mais vezes ataca humanos.

No entanto, em Angola existem dezenas de espécies de serpentes venenosas, sendo comummente aceite entre a comunidade científica, que, à excepção daquelas com existência geográfica delimitada por desertos ou outras realidades naturais, Angola tem no seu território a generalidade das espécies de serpentes conhecidas em África.

Mas as autoridades estão conscientes de que este é um problema grave, como afirmou, citada pelo Jornal de Angola, em Outubro de 2016, a médica Paula Oliveira, do Centro de Investigação e Informação de Medicamentos e Toxicologia (CIMETOX), em Malanje.

Referindo-se a um estudo, denominado "Ndala Lutangila", feito nas províncias do Kwanza Sul, Benguela, Huíla e Malanje, Paula Oliveira dise que ficou evidente que as mordeduras de cobra são uma realidade recorrente, sublinhando existirem elementos que permitem perceber que este é um problema extensivo a todo o país.

Para combater este problema, e a partir do estudo citado, "Ndala Lutangila", foi iniciado um projecto de produção nacional de soro antiofídico - antidoto para veneno de cobra -, num trabalho de colaboração do CIMETOX com especialistas portugueses, brasileiros e cubanos.

Este é, todavia, um problema global e, segundo os MSF, cerca de 5,4 milhões de pessoas por ano são mordidas por cobras em todo o mundo, 2,7 milhões são envenenadas, 100.000 morrem e 400.000 ficam desfiguradas ou incapacitadas para a vida.

Esta ONG diz ainda que "é hora de todos aproveitarem esse momento e impedirem mortes e deficiências desnecessárias de picadas de uma vez por todas", que "a estratégia multifacetada inclua uma recomendação clara para produtos actuais e futuros serem seguros e acessíveis e planos ambiciosos para aumentar as taxas de tratamento e acesso a antivenenos nas regiões afectadas".

Já a OMS OMS pretende aumentar a "conscientização em relação à prevenção, primeiros socorros e onde procurar tratamento adequado por meio de educação e treinamento em nível comunitário do pessoal médico, especialmente aqueles envolvidos em serviços médicos de emergência e atenção primária à saúde".

O que exige "medidas concretas para aumentar substancialmente o acesso a antídotos seguros que já existem no mercado e para dar prioridade ao desenvolvimento de novas e melhores ferramentas para combater este problema".