katsuko Kuwamoto, fale-nos um pouco sobre o seu percurso de vida, a história do Japão do período da Segunda Guerra Mundial...
Nasci em 1939, cá, em Hiroshima, numa altura em que o Japão já estava em guerra. Quando se está numa situação de guerra, existem enormes desafios e privações. Um dos problemas que muito nos afectou, na altura, foi o facto de não termos tido o que comer. Era um período difícil, em que havia falta de comida no Japão, por causa da situação de guerra em que nos encontrávamos.
Mas, antes da guerra, já havia muita e boa produção agrícola no Japão?
Sim. Era um período bom, em que havia muita produção. Os agricultores planta vam arroz e outros produtos do campo. O Governo recolhia a produção de arroz e vegetais e distribuía à população. Depois veio a guerra, a situação começou a piorar e as coisas começaram a escassear.
As coisas tornaram-se difíceis e, certamente, foi um período complicado?
Muito complicado! Eu lembro-me de, naquela altura, estar sempre a queixar-me de ter fome (risos), tinha uns 4 anos de idade (isso em 1943). Em Abril de 1945, já havia alguns sinais de que a guerra estava a chegar ao fim e com muitas desvantagens para o Japão. Víamos com frequência os bombardeiros B-29 sobrevoarem a nossa cidade. Muitas vezes, estávamos na sala de aulas e ouvíamos os aviões B-29 em ação. As sirenes de alerta tocavam, rapidamente arrumávamos o nosso material escolar e íamos imediatamente para casa. É que, nessa altura, estávamos tão contentes e entusiasmados com as aulas, mas, infelizmente, o ambiente escolar já começava a tornar-se instável com interrupções permanentes das aulas e a mandarem-nos para a casa com frequência.
Nessa altura, eram muito comuns os ataques da aviação dos Estados Unidos da América? Os B-29 bombardeavam com regularidade Hiroshima?
A presença dos B-29 a sobrevoarem Hiroshima já se estava a tornar numa rotina diária e a interrupção das nossas aulas também. Era muito frustrante ir à escola e minutos termos de arrumar tudo e voltar para casa, porque os bombardeiros americano anos estavam a sobrevoar a cidade. Era desgastante!
Foi nessa altura que Katsuko Kuwamoto deixa Hiroshima e vai para o campo?
Durante a guerra, e devidos aos raides aéreos constantes, as autoridades de Hiroshima começaram a retirar as crianças do centro da cidade. Nós fomos enviados para o campo, junto de familiares que lá residiam, para que, assim, pudéssemos ficar longe dos perigos que assolavam a cidade. As crianças que não tinham familiares no campo eram enviadas para templos nas montanhas, com os professores, permitindo que passassem a estudar lá.
Mas esta medida foi para os alunos do ensino primário. E o que aconteceu com os de outras classes?
Os "Junior School Kids" (estudantes da 7.ª a 9.ª classe )? Estes tiveram de ficar na cidade. Como os seus progenitores estavam na guerra, eles tiveram de ficar na cidade para compensar o esforço de guerra e começaram a trabalhar nas fábricas. Tiveram de compensar a ausência dos seus pais, trabalhavam nas fábricas e ajudavam a produzir material de guerra. Faziam o trabalho de demolição de edifícios, porque havia muitos incêndios provocados pelos bombardeamentos constantes, sendo que muitas pessoas morriam por causa disso. Estas crianças ajudavam na demolição de edifícios e no combate aos incêndios. Não havia material nem meios para a demolição dos edifícios, e tudo era feito de maneira muito rudimentar. Estas crianças tinham também a tarefa de limpar todas as zonas afectadas pela destruição causada pelos bombardeamentos dos americanos. Trabalhavam nas estações de correios, eram também voluntários nos hospitais, pois a cidade estava em chamas, estava um caos
Disse-me não ter havido, na manhã do dia 6 de Agosto de 1945, o toque das sirenes a alertar para o perigo...
Quando os B-29 se aproximavam, havia sempre um alerta que era feito pelo som das sirenes. Estranho e bastante surpreendente foi que, naquela manhã de 06 de Agosto de 1945, não ouvimos as sirenes tocarem. Não sei se terá havido uma falha ou erro humano. O certo é que, naquela manhã, não ouvimos qualquer som, não houve qualquer alerta. Nada! Estamos a circular normalmente pela escola, pelas ruas e fomos surpreendidos com o lançamento da bomba atómica logo pela manhã.
A que horas é que a bomba foi lançada sobre Hiroshima?
Eram precisamente 08 horas e 15 minutos. Foi neste horário que os americanos largaram a bomba atómica sobre Hiroshima. Eram 08 horas e 15 minutos do dia 06 de Agosto de 1945. A bomba atómica provocou uma onda de calor que atingiu até quatro mil graus centígrados. As pessoas ficaram queimadas, nem sequer se conseguiam mexer, não conseguiam andar ou sentar-se, as roupas queimaram- -se todas nos corpos das pessoas. Foi horrível! A bomba atómica provocou uma nuvem enorme e houve uma onda de calor que devastou tudo e todos. Existe uma imagem de vários corpos submersos no rio e que retrata o cenário de horror após a bomba ter rebentado. É que, com a temperatura a atingir até quatro mil graus centígrados, as pessoas foram atirar-se ao rio e assim fugirem das queimaduras. Elas tinham os corpos queimados e acharam que a melhor solução seria a de se meter na água, outras começaram a beber a água do rio para arrefecer os corpos, mas não teve efeito positivo. As pessoas morreram todas, e os corpos ficaram espalhados pelo rio. Foi horrível! Elas morriam umas atrás de outras. Aqueles que estavam menos afectados e ainda tinham algumas forças para caminhar conseguiram chegar até aos hospitais.
Mas ainda havia hospitais a funcionar?
Havia apenas dois hospitais em mínimas condições. Deixe-me dizer-lhe que o hipocentro da bomba foi sobre o Hospital de Shima, que ficou totalmente destruído, e todos que lá estavam morreram imediatamente. Como dizia, havia somente dois hospitais, e as pessoas iam para lá procurar ajuda, assistência, mas os médicos e os enfermeiros também estavam todos feridos e queimados. Os medicamentos e os equipamentos estavam todos destruídos, e não havia muito por fazer. Era deitar-se e esperar pela morte lentamente. As pessoas morriam aos milhares e havia corpos espalhados por todo o lado. Eram gritos de dor e de desespero por todo o lado. Havia muitas moscas sobre os corpos, um cheiro à carne queimada no início e depois se tornou num cheiro nauseabundo, o que era impossível estar aí.
E onde estava a sua família?
A minha irmã mais velha tinha, na altura, 8 anos e eu, 6. Vivíamos em casa de familiares no campo, numa zona periférica da cidade de Hiroshima. Como as autoridades orientaram a retirada das crianças do centro da cidade, fomos viver com uma tia, irmã do meu pai.
Então, não estava no centro de Hiroshima quando a bomba foi lançada?
Não! Foi a minha sorte e talvez a razão de ainda estar viva e a falar para si. Como já lhe disse, nós tínhamos sido retiradas do centro da cidade e colocadas em casa de familiares lá no campo. Estava na escola em plena sala de aulas e lá sentimos a força e o impacto causado pelo lançamento da bomba atómica.
Estava na sala de aulas?
Sim. Depois da explosão, tocaram um sino e fomos todos agrupados. As janelas da escola rebentaram todas. Uma colega minha que se sentava ao lado das janelas ficou muito ferida devido ao impacto da explosão. Os vidros das janelas partiram todos e foram directamente para o seu corpo. Ela ficou muito ferida e a sangrar.
Certamente, estavam todos assustados e desorientados?
Completamente. Ninguém sabia o que tinha acontecido e nem o que se estava a passar. O meu professor saiu da sala carregando ao colo a minha colega que estava ferida, aquela que foi atingida pelos vidros das janelas que rebentaram. Levou-a para o pátio e ficou andando às voltas com ela ao colo e aos gritos. Estávamos todos muito assustados, e alguns dos meus colegas foram atrás do professor para o fazer parar com aquilo. O meu professor estava pálido e também muito assustado.
E quanto tempo ficou na escola?
Mais algumas horas. Não havia muita informação sobre o que se estava realmente a passar e estava todo o mundo em pânico. Eu e a minha irmã fomos levadas para a casa da nossa tia. Quando lá cheguei, perguntei-lhe logo: "Onde está a minha mãe"? A minha tia respondeu- -me: "Eu vou procurar e trazer a tua mãe. Fica calma"!
A sua mãe que, entretanto, estava na vossa casa, no centro de Hiroshima?
Exactamente. Viu como você anda atento? (risos). A minha mãe estava na nossa casa em Hiroshima, e o meu pai estava na guerra, na frente de combate. Entretanto, o meu primo, o filho da minha tia, trouxe um jarro com água e serviu-nos. A minha tia mandou o meu primo ir até ao centro da cidade procurar a minha mãe, e lá ele foi. Ele só caminhou uns cinco minutos e teve de voltar para trás, porque não tinha como avançar. A onda de calor era infernal e estava tudo a arder. Também havia corpos espalhados por todo o lado. O meu primo desistiu e voltou para casa.
Ficou sem saber se a sua mãe estava viva ou morta?
Foram momentos complicados, de angústia e de incertezas. Soube depois e contado por ela que, quando a bomba foi lançada, a minha mãe estava em casa a tomar o pequeno-almoço, ouviu um som e, a seguir, a nossa casa desabou sobre ela. Ela ficou entre os escombros totalmente imobilizada. Os vizinhos andaram à volta de casa a chamar por ela, a gritar o seu nome. Ela ouviu as vozes e gritou bem alto: "Eu estou aqui, eu estou aqui! Ajudem-me, ajudem-me"!. Os vizinhos abriram um buraco naquilo que ainda era o telhado da casa e entraram para resgatar a minha mãe. Naquele momento, estava também outra vizinha ensanguentada e bem desorientada a pedir que a levassem para um hospital
Em que condições se encontrava a sua mãe quando foi resgatada?
Ela estava com ferimentos ligeiros, foi assistida pelos vizinhos e decidiu ir ao nosso encontro em casa da minha tia. Tentou seguir um caminho que a obrigava escalar uma montanha e assim chegar até ao local onde estávamos. Nós não tínhamos como nos deslocar, não tínhamos como sair de casa, decidimos aguardar. Era impossível chegar até ao centro da cidade
Mas chegou a encontrar a sua mãe? E em que condições ?
Você está muito ansioso, espere que já lhe digo! Então, quatro dias depois, recebemos a informação das autoridades de que o fogo em Hiroshima já estava controlado , que já era possível circular pela cidade. A minha tia levou-nos para lá na esperança de encontrarmos a minha mãe. Como lhe disse, três dias antes, o meu primo tentou ir procurar a minha mãe e não conseguiu. Nós seguimos o mesmo caminho e fomos confrontados com um cenário chocante: eram milhares de corpos estendidos no chão, com muitas moscas e um cheiro insuportável.
Imagino o quão difícil foi para uma menina de seis anos e outra de oito, sua irmã, encarar tudo aquilo.
Até hoje tenho estas imagens na memória. Vi milhares de mortos. Havia pessoas vivas, mas bastante fragilizadas pelas queimaduras em agonia. Algumas arrastavam-se e outras simplesmente ficavam deitadas a gemer de dores. O cenário em Hiroshima era infernal e as pessoas morriam umas atrás das outras. Foi um dia terrível para o Japão e os japoneses, foi um dia terrível para o Mundo. Por isso digo: Hiroshima jamais!
E continuaram a caminhada...
Tentámos continuar a nossa marcha no sentido de encontrar a minha mãe, mas decidimos desistir. Era muito difícil continuar lá perante aquele cenário que parecia o fim do Mundo.
Desistiram? Decidiram voltar para a casa da sua tia?
Era difícil encontrar ou reconhecer as pessoas naquele ambiente. Voltámos para a casa da minha tia e ficámos a aguardar. Nós, nesta altura, não sabíamos que tinha sido lançada uma bomba atómica sobre Hiroshima, não sabíamos bem o que tinha provocado aquilo. De forma inocente e ingénua, fomos até ao centro da cidade e ficámos expostos aos perigos da radiação.
Mas sempre chegou a encontrar a sua mãe?
Ela é que foi ao nosso encontro, conseguiu ir até à casa da minha tia. Nunca esperei ver a minha mãe tão maltratada, estava muito pálida. Fiquei chocada e, ao mesmo tempo, alegre. Alegre por saber que a minha mãe estava viva e por finalmente tê- -la perto de mim. Finalmente estávamos juntas, eu, a minha irmã e a minha mãe.
Mas ainda faltava o seu pai. Ele estava à frente de combate?
Sim. A 15 de Agosto, o Japão fez a sua rendição e a guerra acabou. Foi um período duro e bastante difícil, um período em que havia escassez de tudo. Faltava comida, faltavam medicamentos, faltava vestuário, estava tudo destruído e queimado. A minha mãe teve de pegar no Quimono (traje tradicional japonês ) que usou no seu casamento e trocou-o com arroz e assim conseguimos ter alguma comida em casa. Em Outubro, começou a chover e ele foi pelos campos para procurar comida, andava muito fraca. Foi para junto de uma irmã que vivia numa outra localidade. Entretanto, ela demorava a regressar e fomos depois informados de que o seu estado de saúde inspirava cuidados e de que ela não tinha condições de regressar. A irmã dela avisou-nos: Vocês têm de vir ver a vossa mãe, porque ela não está bem e pode partir em breve. Não sabíamos o que tinha acontecido e encontrámos a minha mãe deitada na cama e muito abatida. Soube depois que aqueles já eram os efeitos da radiação. Nesta altura, a minha mãe tinha 35 anos. Tinha dificuldades em respirar e sangrava um pouco enquanto falava, a minha tia (irmã da minha mãe) achava que se tratava de tuberculose e pediu que ficássemos afastadas para evitar um eventual contágio. Foi então que eu e a minha irmã fomos levadas para a casa da nossa avó, a mãe da nossa mãe. Todos os dias era a dúvida entre a vida e a morte da minha mãe. Foi nesta altura que o meu pai voltou da guerra.
Finalmente o seu pai regressou?
Sim. E chegou em boa hora. A minha mãe estava a precisar de sangue e o meu pai era do mesmo grupo sanguíneo que ela, foi uma sorte grande. Ela precisava de transfusões com regularidade e ele esteve sempre aí com ela. Doar sangue, mais do que salvar vidas, era um acto de cumplicidade. Devido aos efeitos da radiação, as pessoas ficavam com os órgão afectados e com muitas limitações. Dar sangue era um acto de regeneração, uma espécie de oxigénio para a vida.
Quanto tempo ela ficou nesta condição?
Um verdadeiro milagre aconteceu e ela recuperou bem. Lembro-me que num dia de Inverno, eu estava a brincar com a minha irmã junto do rio e de repente vimos duas pessoas adultas a caminhar na nossa direcção. Sabe que eram?
Não. Mas aqui quem faz as perguntas sou eu! Diga lá então.
Era a minha mãe e de mãos dadas ao meu pai. As transfusões de sangue que o meu pai fez para ela resultaram e foi maravilhoso vê-los a caminhar juntos. Foi um verdadeiro reencontro. Finalmente está vamos os quatro juntos e tínhamos a família reunida: meu pai, a minha mãe, a minha irmã e eu. Nesta altura, fomos todos viver para a casa da minha avó, a mãe do meu pai. A minha mãe tinha nesta altura 35, ainda viveu mais 26 anos, ela morreu com 61 anos. Morreu com um cancro nos pulmões provocado pelos efeitos da radiação da bomba atómica
Estava a família toda reunida. Qual passou a ser a vossa rotina?
O que o meu pai fazia diariamente era pegar na sua bicicleta e ir procurar comida para nós. Ele, muitas vezes, tinha de fugir do controlo policial e assim garantir que houvesse comida em casa. Ele arriscava- -se muito e andava pelas ruas da cidade em busca de sustento para a família. Apanhava uma queda da bicicleta! E chegava à casa com alguns arranhões.
Kuwamoto - San, qual era a situação de Hiroshima naquele momento? As autoridades controlavam a cidade e apoiavam os cidadãos?
Na altura, era tudo muito complicado, as pessoas estavam por sua conta e risco. O Exército chegou à Hiroshima uma semana após o lançamento da bomba, a sua prioridade era a de recolher os cadáveres e enterrar-lhes, afim de acabarem com a grave e complicada situação sanitária. Eles retiravam os corpos do rio e das ruas, uma das soluções foi a de queimar os corpos. Havia no ar, naqueles dias, um cheiro horrível que tomava conta de tudo
Quando vocês ficaram a saber que tudo aquilo tinha sido provocado por uma bomba atómica lançada pelos americanos?
Olhe, nos primeiros dias fomos apanhados pelo efeito surpresa, pelo impacto da destruição, pelo número de mortos e de feridos. O instinto de sobrevivência tomou conta de nós e essa foi a nossa principal prioridade: sobreviver! Só vários dias depois é que fomos nos apercebendo do que se tratava e quem tinha largado a bomba atómica sobre a nossa cidade. Mais de cem mil pessoas perderam a vida em Hiroshima, mortes decorrentes não apenas da explosão, mas também da radiação.
Como foi o processo de recuperação física e psicológica das pessoas? E como iniciou o processo de reconstrução da cidade?
Foi muito doloroso. Estávamos todos devastados física e psicologicamente pelos efeitos da bomba atómica. As pessoas morriam e não sabiam por que razão, elas começavam a perder o cabelo, surgiram depois muitas mortes por leucemia e vários cancros. Foi devastador e muito profundo!
E o retorno às aulas?
Um ano depois do lançamento da bomba, as aulas recomeçaram e fomos para a escola. Mas é claro que, como estrutura, não havia escola, era algo assim ao ar livre, não havia salas como tal. Nós recomeçámos assim, quando chovesse, não havia aulas. Quando eu tinha 10 anos e frequentava a 5ª classe ( quatro anos depois), a nova escola foi construída. Havia quatro salas de aulas com quarenta alunos cada, ou seja, 160 alunos divididos pelas quatro salas. A nova escola tinha instalações para acolher crianças órfãs em regime de internato, estas recebiam doações para vestuário e alimentação. Era um período difícil, lembro-me de ter colegas a usar roupas de Verão em pleno Inverno.
Um duro recomeço. Mas falou-me de uma amiga da sua mãe que lhe recomendou contar a sua história de vida?
Já estava a pensar que não me irias perguntar, eu tenho boa memória e não me esqueço das coisas! A minha mãe tinha uma vizinha que trabalhava na estação dos correios, naquele dia em que a bomba foi lançada, ela chegou cedo ao serviço, cumprimentou um colega que estava na parte de frente do escritório e entrou. O colega foi literalmente projectado e ficou com corpo desfeito. Esta amiga da minha mãe sobreviveu e tinha três filhos na altura. Quando eu tinha 60 anos, esta amiga me desafiou a contar a minha história de vida, da minha mãe e de todos os sobreviventes. No início, fiquei receosa, então ela levantou a sua saia e mostrou-me uma das suas pernas que estava praticamente queimada, quase não havia carene e era só pele simples a segurar tudo. Horrível! Muito horrível. Ela tinha praticamente a mesma idade da minha mãe quando a bomba rebentou, nunca se casou ou teve filhos. Foi ela quem me sugeriu que contasse a minha história de vida ao Mundo, que fosse contar ao Mundo os horrores de Hiroshima. Tal como estou aqui a fazer consigo, a contar ao Novo Jornal e aos cidadãos de Angola. Sei que o vosso País também passou por longos, duros e difíceis períodos de guerra. Certamente sabem bem quais são os efeitos e danos que uma guerra provoca
Há quanto tempo partilha a sua história de vida com o Mundo?
Há vinte anos. Tenho agora 86, comecei aos 66 anos.
Quantos filhos têm?
Tenho três filhos.
Qual é a sua profissão?
Agora estou reformada. Estou na associação das vítimas e sobreviventes de Hiroshima e dedico-me a contar a minha história ao Mundo. Mas fui professora de piano durante muitos anos, estudei música.
Quero que deixe uma mensagem para Angola e o Mundo.
Eu penso que já não irei viver muito mais tempo. Quero que as pessoas percebam o que aconteceu em Hiroshima, que isto nunca mais volte a acontecer. No ano passado, a nossa organização recebeu o Prémio Nobel da Paz. Foi um reconhecimento justo e merecido. Foi também uma forma de chamar atenção para os perigos das guerras e da proliferação de armas nucleares pelo Mundo. É também uma grande responsabilidade pelo trabalho que temos feito em prol da paz mundial e do imenso trabalho que temos pela frente. Por isso digo: Hiroshima jamais! No more Hiroshima!
Que Hiroshima seja uma verdadeira lição de vida para o Mundo. Sabe como as guerras começam?
Sabe como as guerras começam? Tudo porque existe um ditador, um ser autoritário que nos impele para a guerra. Precisamos de paz e de democracia. Eu penso que os jovens devem lutar para manter a democracia e não caminhar para a dita
E a mensagem para os angolanos?
Paz para o vosso País, hoje e sempre. Que a paz permaneça sempre entre os angolanos. Um abraço para os angolanos.